25 Mai 2023
É quanto gastaram as indústrias armamentistas estadunidenses para obter a ampliação da OTAN até as fronteiras da Rússia. Até agora foram gastos na guerra 100 bilhões. Um documento da “outra América”.
Publicamos o documento que apareceu em 16 de maio de 2023 no New York Times, promovido pelo Eisenhower Media Network, uma organização de especialistas ex-militares e funcionários civis da Segurança Nacional dos Estados Unidos que busca informar a opinião pública estadunidense "que – dizem – está cada vez mais percebendo que a política externa dos EUA não torna o país e o mundo mais seguros". O título do documento é: “Os Estados Unidos deveriam ser uma força para a paz no mundo".
A informação é publicada por Chiesa di tutti Chiesa dei poveri, 24-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A guerra Rússia-Ucrânia foi um desastre absoluto. Centenas de milhares de pessoas foram mortas ou feridas. Milhões de pessoas foram deslocadas. A destruição ambiental e econômica foi incalculável. A devastação futura poderia ser exponencialmente maior à medida que as potências nucleares se aproximam cada vez mais da guerra aberta. Deploramos a violência, os crimes de guerra, os ataques indiscriminados com mísseis, o terrorismo e outras atrocidades que fazem parte desta guerra. A solução para essa violência devastadora não é "mais armas" ou "mais guerra", que garantem mais mortes e destruições.
Como estadunidenses e especialistas em Segurança Nacional, exortamos o presidente Biden e o Congresso a usar todo o seu poder para pôr um fim rapidamente à guerra Rússia-Ucrânia por meio da diplomacia, especialmente em consideração aos graves perigos de uma escalada militar que pode desencadear uma espiral fora de controle.
Sessenta anos atrás, o presidente John F. Kennedy fez uma observação crucial para a nossa sobrevivência hoje: “Acima de tudo, enquanto defendem nossos interesses vitais, as potências nucleares devem evitar os confrontos que levam um adversário a escolher entre uma retirada humilhante e uma guerra nuclear. Adotar essa abordagem na era nuclear apenas destacaria o fracasso de nossa política ou o desejo de uma morte coletiva para o mundo”.
A causa imediata desta guerra desastrosa na Ucrânia é a invasão da Rússia. No entanto, os planos e as ações para expandir a OTAN até às suas fronteiras serviram para provocar os temores russos. E os líderes russos sustentaram essa posição por 30 anos. Um fracasso da diplomacia levou à guerra. Agora, a diplomacia é urgentemente necessária para acabar com a guerra Rússia-Ucrânia antes que destrua a Ucrânia e coloque em perigo a humanidade.
A atual preocupação geopolítica da Rússia remonta à invasão de Carlos XII, de Napoleão, do Kaiser e de Hitler. As tropas estadunidenses foram parte de uma força de invasão dos Aliados que interveio sem sucesso contra o lado vencedor na Guerra Civil Russa após a Primeira Guerra Mundial. A Rússia vê o alargamento e a presença da OTAN nas suas fronteiras como uma ameaça direta; os Estados Unidos e a OTAN a consideram apenas como uma prevenção prudente. Na diplomacia se deve tentar ver as coisas com empatia estratégica, tentando entender os adversários. Isso não é fraqueza: é sabedoria.
Rejeitamos a ideia de que os diplomatas, em busca da paz, tenham de escolher um lado, neste caso a Rússia ou a Ucrânia. Ao defender a diplomacia, nós escolhemos o lado da sabedoria. Da humanidade. Da paz.
Consideramos a promessa do presidente Biden de apoiar a Ucrânia "por todo o tempo necessário" como uma licença para perseguir objetivos mal definidos e, em última análise, inatingíveis. Isso poderia se revelar catastrófico quanto foi a decisão do presidente Putin no ano passado de lançar sua criminosas invasão e ocupação. Não podemos aprovar nem apoiar a estratégia de combater contra a Rússia até o último ucraniano.
Pedimos uma significativa e genuína confiança na diplomacia e, especificamente, um cessar-fogo imediato e negociações sem quaisquer pré-condições desqualificantes ou proibitivas. Provocações deliberadas causaram a guerra Rússia-Ucrânia. Da mesma forma, uma deliberada diplomacia pode colocar-lhe um fim.
Com o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria, os líderes dos Estados Unidos e da Europa Ocidental garantiram aos líderes soviéticos e depois russos que a OTAN não se estenderia em direção às fronteiras da Rússia. Com a unificação alemã “não haveria nenhuma extensão da jurisdição da OTAN pelas forças da OTAN nem de uma polegada a leste”, disse o secretário de Estado dos EUA, James Baker, ao líder soviético Mikhail Gorbachev em 9 de fevereiro de 1990. Garantias semelhantes de outros líderes estadunidenses, bem como de líderes britânicos, alemães e franceses ao longo da década de 1990 o confirmaram.
Desde 2007, a Rússia repetidamente advertiu que as forças da OTAN nas fronteiras da Rússia eram intoleráveis, justamente como as forças russas no México ou no Canadá seriam intoleráveis para os Estados Unidos agora, assim como o foram os mísseis soviéticos em Cuba em 1962. A Rússia também sinalizou que a expansão da OTAN para a Ucrânia seria particularmente provocativa.
Nossa tentativa de compreender a perspectiva russa sobre a sua guerra não dá um aval à invasão e à ocupação, nem implica que os russos não tivessem outra opção exceto a guerra.
No entanto, assim como a Rússia tinha outras opções, também os Estados Unidos e a OTAN fizeram com que se chegasse a isso.
Os russos deixaram claro quais eram suas "linhas vermelhas". Na Geórgia e na Síria, eles demonstraram que usariam a força para defender essas linhas. Em 2014, com sua imediata conquista da Crimeia e seu apoio aos separatistas do Donbass, demonstraram estar determinados em seu empenho de defender seus interesses. Por que isso não foi entendido pela liderança dos Estados Unidos e da OTAN não está claro: incompetência, arrogância, cinismo ou uma pérfida conjugação desses três aspectos são os fatores que presumivelmente contribuíram.
Mais ainda, já no final da Guerra Fria, diplomatas, generais e políticos estadunidenses alertaram sobre os perigos da expansão da OTAN às fronteiras da Rússia e sobre a interferência hostil na esfera de influência da Rússia. Os antigos secretários de Defesa Robert Gates e William Perry manifestaram essas advertências, assim como os aclamados diplomatas George Kennan, Jack Matlock e Henry Kissinger. Em 1997, cinquenta especialistas em política externa dos EUA escreveram uma carta aberta ao presidente Bill Clinton aconselhando-o a não expandir a OTAN, definindo isso de “um erro político de proporções históricas”. O presidente Clinton escolheu ignorar essas advertências.
O mais importante para entender a arrogância e o maquiavelismo do cálculo que intervieram no processo decisório dos Estados Unidos sobre a guerra Rússia-Ucrânia é ter rejeitado as advertências expressas por Williams Burns, atual diretor da Central Intelligence Agency. Em um telegrama para a secretária de Estado Condoleezza Rice em 2008, enquanto prestava serviço como embaixador na Rússia, Burns escreveu sobre a expansão da OTAN e a entrada da Ucrânia: “As aspirações da Ucrânia e da Geórgia de ingressar na OTAN não apenas tocam um ponto sensível na Rússia, mas também geram sérias preocupações sobre as consequências para a estabilidade na região. A Rússia não apenas sente o cerco e os esforços para minar a influência da Rússia na região, mas também teme consequências imprevisíveis e descontroladas que afetariam seriamente os interesses de segurança russos. Especialistas nos dizem que a Rússia está particularmente preocupada com o fato de que os fortes conflitos na Ucrânia sobre a adesão à OTAN, à qual uma grande parte da comunidade étnica russa é contrária, possam provocar uma maior contraposição, levando junto violência ou, na pior das hipóteses, uma guerra civil. Em tal eventualidade, a Rússia teria que decidir se iria intervir; uma decisão que a Rússia não quer ter que enfrentar”.
Por que os EUA persistiram em expandir a OTAN, apesar de tais advertências? O lucro das vendas de armas foi um fator importante. Diante da oposição à extensão da OTAN, um grupo de neoconservadores e altos executivos da indústria dos armamentos criaram o Comitê dos Estados Unidos para a Expansão da OTAN. Entre 1996 e 1998, os principais fabricantes de armas gastaram 51 milhões de dólares (94 milhões de dólares hoje) em atividades de lobby e mais milhões em contribuições eleitorais. Com essa prodigalidade, a expansão da OTAN rapidamente se tornou um negócio fechado, depois do qual os fabricantes de armas estadunidenses venderam bilhões de dólares em armas para os novos membros da OTAN. Até agora, os EUA enviaram 30 bilhões de dólares em equipamentos militares e armas na Ucrânia, com ajudas totais à Ucrânia superiores a 100 bilhões de dólares. A guerra, já foi dito, é um esquema altamente lucrativo para poucos eleitos.
Em suma, a expansão da OTAN é um fator chave da militarização da política externa dos Estados Unidos, caracterizada pelo unilateralismo unido a mudanças de regime e guerras preventivas. As guerras perdidas, as mais recentemente no Iraque e no Afeganistão, produziram massacres e mais confrontos, uma dura realidade criada pelos próprios Estados Unidos.
A guerra Rússia-Ucrânia abriu uma nova arena de confronto e massacre. Essa realidade não é inteiramente obra nossa, mas poderia muito bem ser a nossa ruína, a menos que nos dediquemos a construir um acordo diplomático que pare com as mortes e diminua as tensões.
Vamos fazer dos EUA uma força para a paz mundial.
Dennis Fritz, diretor da Eisenhower Media Network; Comandante da Força Aérea dos EUA (aposentado) Mateus Hoh, Diretor Associado da Eisenhower Media Network; ex-oficial do Corpo de Fuzileiros Navais William J. Astor, tenente-coronel da Força Aérea dos EUA (aposentado), posteriormente docente e analista;
Karen Kwiatkowski, Tenente Coronel, Força Aérea dos EUA (aposentada); depois de deixar o cargo, ela se expôs na denúncia da corrupção da inteligência militar que levou à guerra no Iraque;
Dennis Laich, Major General, Exército dos EUA (aposentado);
Jack Matlock, embaixador na União Soviética de 1987 a 1991; adido da embaixada em Moscou também em 1962, atuou na troca de mensagens entre os dois presidentes na época da crise dos mísseis em Cuba; autor de "Reagan e Gorbachev: Como terminou a Guerra Fria";
Todd E. Pierce, maior. Exército dos EUA (aposentado);
Coleen Rowley, agente especial do FBI (aposentado), criticou o comportamento da Inteligência antes do 11 de setembro e escreveu uma carta aberta ao diretor do FBI Mueller em 2003 alertando: "não teremos condições de conter a onda de terrorismo que se seguiria ao nosso ataque ao Iraque";
Jeffrey Sachs, economista, docente e ensaísta, ex-diretor do Earth Institute da Columbia University;
Christian Sorensen, analista, ex-arabista da Força Aérea; em uma dura análise no Business Insider em 2021 criticou fortemente o complexo militar-industrial, "extremamente caro, que produz guerras, provoca enormes sofrimentos e não torna os Estados Unidos mais seguros", independentemente do partido no poder; mais ainda: “Bush lançou a atual onda de guerra global; Obama a continuou. Sob Trump, os aproveitadores da guerra dominavam o Pentágono. E com Biden, as guerras continuam";
Chuck Spinney, engenheiro e analista, ex-funcionário do gabinete do Secretário de defesa; na década de 1980 ficou famoso pelo Spinney Report no qual criticava os gastos do Pentágono, que definiu como "uma declaração de guerra à segurança social e sanitária do país";
Winslow Wheeler, ex-conselheiro de Segurança Nacional de Democratas e Republicanos e depois watchdog do Pentágono (seu artigo publicado em 2011 sobre os enormes e não documentados gastos de guerra do Pentágono após o 11 de setembro);
Lawrence B. Wilkerson, Coronel, Exército dos EUA (aposentado), evitou um crime de guerra contra civis no Vietnã; depois assistente de Colin Powell em várias ocasiões, em 2003 confessou seu papel na preparação do show das “provas” e criticou vários outros aspectos da política estadunidense no Oriente Médio;
Ann Wright, ex-funcionária do Departamento de Estado, renunciou em 19 de março de 2003 em protesto contra a guerra no Iraque, iniciada no dia seguinte; já havia criticado outros dossiês bélicos;
William J. Astor, ex-tenente-coronel da aviação, depois professor e analista, para o The Nation escreveu artigos de títulos como “Todos os eufemismos que usamos para a violência da guerra” e, em fevereiro de 2023, “Não aprendemos nada com a guerra no Iraque”.
1990 — Os Estados Unidos garantem à Rússia que a OTAN não se expandirá em direção à sua fronteira. O secretário de Estado Baker diz a Gorbachev: O presidente e eu deixamos claro que não estamos buscando nenhuma vantagem unilateral no processo da inevitável unificação alemã. Baker continua dizendo: “Entendemos a necessidade de garantias para os países do Leste. Se mantivermos uma presença em uma Alemanha que faz parte da OTAN, não haveria nenhuma extensão da jurisdição da OTAN pelas forças da OTAN nem de uma polegada a leste".
1996 – Os fabricantes de armas dos EUA formam o Comitê para Expandir a OTAN, distribuindo mais de 51 milhões de dólares para fazer pressões no Congresso.
1997 - 50 especialistas em política externa, entre os quais ex-senadores, oficiais militares e diplomatas aposentados, assinam uma carta aberta afirmando que a expansão da OTAN é "um erro político de proporções históricas“.
1999 – A OTAN admite Hungria, Polônia e República Tcheca na organização. Os Estados Unidos e a OTAN bombardeiam a Sérvia, aliada da Rússia.
2001 – Os Estados Unidos se retiram unilateralmente do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos.
2004 – Mais sete nações da Europa Oriental se juntam à OTAN. As tropas da OTAN estão agora diretamente à fronteira com a Rússia.
2004 – O Parlamento russo aprova uma resolução denunciando a expansão da OTAN. Putin declarou que a Rússia "construiria uma política de defesa e segurança de maneira correspondente".
2008 – Os líderes da OTAN anunciam planos para trazer a Ucrânia e a Geórgia, elas também às fronteiras da Rússia, para a OTAN.
2009 – Os Estados Unidos anunciam intenção de instalar sistemas de mísseis na Polônia e na Romênia.
2014 –O presidente legalmente eleito da Ucrânia, Viktor Yanukovych, movido pelas violências, foge para Moscou. A Rússia vê em sua expulsão um golpe de estado dos Estados Unidos e das nações da OTAN.
2016 – Os Estados Unidos começam o incremento de tropas na Europa.
2019 – Os Estados Unidos se retiram unilateralmente do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário.
2020 – Os Estados Unidos se retiram unilateralmente do Tratado Open Skies (de Céus Abertos).
2021 – A Rússia apresenta propostas de negociação e, ao mesmo tempo, coloca mais forças armadas na fronteira com a Ucrânia. Os responsáveis dos Estados Unidos e da OTAN rejeitam imediatamente as propostas russas.
24 de fevereiro de 2022 – A Rússia invade a Ucrânia, iniciando a guerra Rússia-Ucrânia.
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A guerra da Ucrânia: a expansão da OTAN comprada por 94 milhões de dólares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU